28 de setembro de 2010

do filme Love in the Time of Cholera


- E até quando acredita o senhor que podemos continuar nesse ir e vir do caralho? - perguntou.

Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinqüenta e três anos, sete meses e onze dias com respectivas noites.

- Toda a vida - disse.

20 de setembro de 2010

Uma despedida.

Ao entrar na casa ela sentiu como se entrasse em uma bolha do tempo. Tudo estava do mesmo jeito. Viu suas digitais em cada objeto daquele ambiente. Nada mudou. O violão que a ninava em noite de chuva estava em cima do mesmo sofá. A TV ligada naqueles programas de cultura popular. A marca da última briga ainda na parede. Aos poucos foi olhando cada centímetro daquele espaço, era como se revivesse tudo em que aquelas paredes foram cúmplices. Foi então que levantou a cabeça e olhou em direção do sofá azul, do cinzeiro ainda saia fumaça do último cigarro fumado, viu que as mãos dele se encaminhavam para acender outro. Ela se sentiu incomodada com todo aquele silêncio e decidiu falar:

- ainda fumando compulsivamente?
-não estou a fim de sermão agora. Sei que não foi para isso que você voltou!


E não foi mesmo, ela pensou. Baixou novamente a cabeça e retornou a olhar ao redor da casa. Notou que o último bilhete que tinha escrito ainda estava no mesmo lugar. “preciso falar com você”, era seu conteúdo. A final, lembrou para que voltou aquela casa que um dia pensou ser sua. Aos poucos foi escolhendo as palavras...

-você tá bem? – ela perguntou, ainda com a voz trêmula. Ele ainda tinha o poder de lhe deixar sem palavras.
- do mesmo jeito – respondeu ele entre um trago e outro – fodido por causa dessa doença, cheio de problemas, já perdi as esperanças.
- você e seus pensamentos negativos, nada vai mudar se você não quiser que mude... – ela falou, mais parou logo, sabia que aquelas palavras eram em vão – vim buscar o resto das minhas coisas...
- você vai sair de vez daqui nega? Se você for eu desisto de vez. Você é minha última tentativa e esperança de não morrer só. Se você for deixarei que tudo morra de uma vez.


Ela não podia se responsabilizar de nada. Sabe o quanto tentou para que aquele relacionamento desse certo. De quantas coisas abriu mão para poder viver com ele. Quantas lágrimas não derramou no meio da noite quando esperava por um afago e beijo de boa noite, e tudo que ele fazia era virar do lado e dormir. Quantas vezes viveu mais a vida dele do que a dela própria e em troca o que tinha era a incompreensão e dúvida de todo o amor que ela carregava por ele. Quanta vez, antes de ir embora, não esperou por apenas um pedido vindo dele, um pedido de desculpa e que ela ficasse, o ouvir dizendo que ali era o lugar dela, ao lado dele. Lembrou o motivo de sua vinda e juntou o que ainda lhe restava naquela casa. Sentiu vontade de chorar, e lembrou-se das vezes que ele dizia que as pessoas que choram são fracas, não quis que a última lembrança sua naquela casa fosse de lágrimas.

- prepara alguma coisa pra gente comer, tô com fome... – ele falou -.

Ela levantou o rosto e o viu ainda com um cigarro na boca.
Foi para a cozinha, acompanhada de mais lembranças. Decidiu preparar o prato que ele tanto gostava. O principal tempero de toda aquela comida foi o resto de amor que ainda tinha as lágrimas que ela não conseguiu segurar, e a saudade do tempo em que ela cozinhava pra ele, enquanto ele embalava suas batidas na panela com suas músicas apaixonadas no violão. Sentiu uma saudade a invadir... Quando se deu conta a comida já estava pronta. Pôs a mesa, daquele mesmo jeito que costumava fazer antes. E o chamou com o mesmo carinho. Comeram em silêncio, o único som que se ouvia era o da TV e da boca dele, dessa vez, e pela primeira, sem o cigarro, mastigando a comida. Nada foi falado... Terminou de comer e foi limpar a cozinha, fazendo tudo bem devagar na esperança dele entrar na cozinha e dizer que não queria que ela fosse. Só bastava uma palavra pra ela ficar. Mais o orgulho que a ele pertencia é maior do que o sentimento que por alguma vez os uniu. Ela passou na sala, ele com mais um cigarro, ela sabia que ele estava nervoso, só fumava com aquela frequência quando ficava nervoso. Olhou por um tempo a fumaça do cigarro, esperando alguma palavra pronunciada por ele, mais novamente teve como resposta o silêncio...


-Vem fechar a porta que eu vou embora... – ela falou

Ele levantou, pegou as chaves. Ao chegar ao portão pegou nas mãos delas e finalmente falou:

-obrigado. Valeu por tudo.

Ao se aproximar na tentativa do último beijo, ela falou:

-fica com os teus cigarros, essa será tua companhia eterna.

O clic do portão foi à última coisa que se ouviu...

16 de setembro de 2010

Por Fernanda Young


Nossa, há quanto tempo... Como vão as coisas no seu pequeno planeta? Aqui, no meu, andam imensamente estranhas – muito baobá para pouca flor, se é que você entende meus simbolismos. Quem sempre fala de você é aquela ex-miss que vivia chorando por sua causa, lembra? Ela me contou da sua amizade com a Raposa.

Príncipe, como você é meu amigo de infância, não posso deixar de alertá-lo. Cuidado com a Raposa. Ela parece uma coisa, mas é outra. Faz-se de fofa e é uma cobra, uma chantagista.

Quando a conheci, ela disse que não podia conversar comigo, pois não sabia quem eu era. “A gente só conhece bem as coisas que cativou”, ela falou, toda insinuante. Respondi que, se nós duas nos cativássemos, ela ficaria triste quando eu fosse embora. Foi quando saquei que ela queria ter um cacho comigo, pois a Raposa pegou no meu cabelo – eu estava loira na época – e disse que tudo bem, porque ela olharia os campos de trigo e se lembraria de mim.

Marcamos um encontro para o dia seguinte, às 4. E ela me pediu para chegar às 4 em ponto, dessa forma ela ficaria feliz desde as 3 somente por esperar o momento do nosso encontro. Achei estranho, mas pensei que fosse charme. Não era.Cheguei 15 minutos atrasada e a Raposa surtou. Falou que nós somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos. E perguntou para mim, olhando diretamente nos meus olhos, se eu tinha consciência de que “perder tempo” com o outro é o que faz essa história importante.

Percebeu o tom de chantagem? Ela joga na cara tudo o que faz em nome do outro. Ela deseja afeto, mas o quer como uma responsabilidade de mão única. Porém, também somos responsáveis quando nos deixamos cativar – relacionamentos são vias de mão dupla.

A Raposa exige a certeza de um compromisso com hora marcada, impondo regras à troca afetiva. As regras dela, claro, já que ela quer todo o afeto a favor de seu bem-estar. Chega a ponto de dizer que será feliz porque você virá. Como se a felicidade fosse algo condicionado ao outro, à espera do outro, ao encontro com o outro.

Veja que coisa infantil. São as crianças que precisam de horários certinhos e de associar suas emoções às pessoas com quem se relacionam. Sentindo prazer ou desprazer diante da ausência ou presença da mãe ou do pai ou de quem quer que seja. Na criança, ainda não há um universo interior, entendeu? Quando nós crescemos, temos de conseguir ver o mundo através das próprias perspectivas. Enxergar a beleza de um trigal sem nos lembrar de ninguém.

A Raposa, como uma criança assustada, quer que aqueles que a amam estejam com ela na hora em que ela deseja. Achando que eles são “responsáveis” pela felicidade dela. Ou seja, o outro lhe deve algo por tê-la cativado.

Desde esse dia, não falo mais com ela. E aconselho você a fazer o mesmo. Ela não é flor que se cheire.

Saudades distantes,

3 de setembro de 2010

ela: - tenho medo de te querer, depois querer de novo, depois de novo, e de novo...

ele: - vamos querer um querer de cada vez!

ela: - eu não sei querer um querer de cada vez, eu quero todos os quereres ao mesmo tempo...




[e quero muito]

1 de setembro de 2010

para o mês de agosto.

No inicio era só desejo.

Desejo no pêlo cor de ouro.

Apenas um desejo.



Depois vieram chuvas.

Duas formas de chuvas.

Respectivos trovões com sons ensurdecedores

Não se podia ouvir o pedido de socorro.

Partiram-se em dois.



Ao som de um acordeom

Feito um pedido em forma de declaração

Palavras que caíram de uma boca marrom

Um aceno de cabeça

Sutil recusa

Palavras dissipadas

Dividiu-se em três.



Descobriu-se a confiança

Palavras e tempo necessários

Segredos de liquidificador entre lábios selados

O desejo da carne que fala

Perola negra se emaranhando nas curvas brancas

O branco da paz

Mutua paz...



Com a cumplicidade de um céu estrelado

Com a presença das próprias estrelas entre paredes

Foi-se consumado o mais puro desejo

O desejo do pêlo

Do pêlo cor de ouro, o pêlo de cor dourada.

O poder da disritmia...