20 de setembro de 2010

Uma despedida.

Ao entrar na casa ela sentiu como se entrasse em uma bolha do tempo. Tudo estava do mesmo jeito. Viu suas digitais em cada objeto daquele ambiente. Nada mudou. O violão que a ninava em noite de chuva estava em cima do mesmo sofá. A TV ligada naqueles programas de cultura popular. A marca da última briga ainda na parede. Aos poucos foi olhando cada centímetro daquele espaço, era como se revivesse tudo em que aquelas paredes foram cúmplices. Foi então que levantou a cabeça e olhou em direção do sofá azul, do cinzeiro ainda saia fumaça do último cigarro fumado, viu que as mãos dele se encaminhavam para acender outro. Ela se sentiu incomodada com todo aquele silêncio e decidiu falar:

- ainda fumando compulsivamente?
-não estou a fim de sermão agora. Sei que não foi para isso que você voltou!


E não foi mesmo, ela pensou. Baixou novamente a cabeça e retornou a olhar ao redor da casa. Notou que o último bilhete que tinha escrito ainda estava no mesmo lugar. “preciso falar com você”, era seu conteúdo. A final, lembrou para que voltou aquela casa que um dia pensou ser sua. Aos poucos foi escolhendo as palavras...

-você tá bem? – ela perguntou, ainda com a voz trêmula. Ele ainda tinha o poder de lhe deixar sem palavras.
- do mesmo jeito – respondeu ele entre um trago e outro – fodido por causa dessa doença, cheio de problemas, já perdi as esperanças.
- você e seus pensamentos negativos, nada vai mudar se você não quiser que mude... – ela falou, mais parou logo, sabia que aquelas palavras eram em vão – vim buscar o resto das minhas coisas...
- você vai sair de vez daqui nega? Se você for eu desisto de vez. Você é minha última tentativa e esperança de não morrer só. Se você for deixarei que tudo morra de uma vez.


Ela não podia se responsabilizar de nada. Sabe o quanto tentou para que aquele relacionamento desse certo. De quantas coisas abriu mão para poder viver com ele. Quantas lágrimas não derramou no meio da noite quando esperava por um afago e beijo de boa noite, e tudo que ele fazia era virar do lado e dormir. Quantas vezes viveu mais a vida dele do que a dela própria e em troca o que tinha era a incompreensão e dúvida de todo o amor que ela carregava por ele. Quanta vez, antes de ir embora, não esperou por apenas um pedido vindo dele, um pedido de desculpa e que ela ficasse, o ouvir dizendo que ali era o lugar dela, ao lado dele. Lembrou o motivo de sua vinda e juntou o que ainda lhe restava naquela casa. Sentiu vontade de chorar, e lembrou-se das vezes que ele dizia que as pessoas que choram são fracas, não quis que a última lembrança sua naquela casa fosse de lágrimas.

- prepara alguma coisa pra gente comer, tô com fome... – ele falou -.

Ela levantou o rosto e o viu ainda com um cigarro na boca.
Foi para a cozinha, acompanhada de mais lembranças. Decidiu preparar o prato que ele tanto gostava. O principal tempero de toda aquela comida foi o resto de amor que ainda tinha as lágrimas que ela não conseguiu segurar, e a saudade do tempo em que ela cozinhava pra ele, enquanto ele embalava suas batidas na panela com suas músicas apaixonadas no violão. Sentiu uma saudade a invadir... Quando se deu conta a comida já estava pronta. Pôs a mesa, daquele mesmo jeito que costumava fazer antes. E o chamou com o mesmo carinho. Comeram em silêncio, o único som que se ouvia era o da TV e da boca dele, dessa vez, e pela primeira, sem o cigarro, mastigando a comida. Nada foi falado... Terminou de comer e foi limpar a cozinha, fazendo tudo bem devagar na esperança dele entrar na cozinha e dizer que não queria que ela fosse. Só bastava uma palavra pra ela ficar. Mais o orgulho que a ele pertencia é maior do que o sentimento que por alguma vez os uniu. Ela passou na sala, ele com mais um cigarro, ela sabia que ele estava nervoso, só fumava com aquela frequência quando ficava nervoso. Olhou por um tempo a fumaça do cigarro, esperando alguma palavra pronunciada por ele, mais novamente teve como resposta o silêncio...


-Vem fechar a porta que eu vou embora... – ela falou

Ele levantou, pegou as chaves. Ao chegar ao portão pegou nas mãos delas e finalmente falou:

-obrigado. Valeu por tudo.

Ao se aproximar na tentativa do último beijo, ela falou:

-fica com os teus cigarros, essa será tua companhia eterna.

O clic do portão foi à última coisa que se ouviu...

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